Gosto muito de tomar Stella Artois. Depois que eu saí da adolescência, em que eu poderia beber qualquer coisa com o único objetivo de ficar bêbado, eu comecei a ficar mais seletivo com as bebidas. Agora, quando eu posso escolher, geralmente é a Stella que eu tomo. Na geladeira de casa sempre tem 6 long necks prontinhas. Quando chega em duas, é o sinal para pegar mais um engradado pra preencher. É uma pena que essa empresa seja uma imaginação coletiva de milhões de pessoas.

Veja bem: a Stella Artois, com seus mais de 600 anos de existência, criou um produto muito apreciado por milhares de pessoas. Mas ela não é necessariamente a cerveja que ela produz. Ela pode, se quiser, começar a produzir sucos e ainda assim se chamar Stella Artois. Para produzir seus produtos, é necessária a junção de uma multidão de pessoas desconhecidas com expertises diferentes. Mas a Stella também não é essas pessoas. Todas elas, incluindo CEO, board consultivo e investidores, poderiam mudar, e a Stella continuaria sendo a Stella. Um desastre poderia destruir todos os seus parques fabris, seus funcionários serem abduzidos por alienígenas, sua fórmula mudar, ela poderia inclusive deixar de fazer cerveja para produzir guitarras elétricas, e a empresa propriamente dita continuaria intacta. A Stella poderia pegar empréstimos para construir novas fábricas, contratar novos funcionários e lançar seu novo produto. Mas não se engane, isso não quer dizer que ela é invulnerável ou imortal.

Zakk Wylde, lendário guitarrista, usando o novo produto lançado pela Stella Artois

Se um juiz ordenasse, em uma canetada, a dissolução da empresa, mesmo com bens, fábricas, funcionários e um produto amado por milhares de pessoas, a Stella Artois deixaria de existir. Em um piscar de olhos. Como pode algo, que parece não ter nenhuma conexão com o mundo físico, existir?

A explicação desse fenômeno está em milhares de anos atrás, em nossos ancestrais homo sapiens. Nós, assim como os demais primatas, temos instintos sociais que nos permitem construir amizades e caçar juntos. Porém, essa característica só se aplica a pequenos grupos. Foi na chamada Revolução Cognitiva, com o surgimento da ficção, que grupos de homo sapiens começaram a dançar em volta da fogueira, criar deuses e histórias em comum para unir todos eles sob um ideal. Essa imaginação coletiva nos proporcionou a ascensão de religiões, a ideia de nações separadas por linhas imaginárias, o conceito de que um pedaço de papel passa a ter valor e vira dinheiro, e que todos devemos seguir leis inventadas por alguém. E, claro, a Revolução Cognitiva permitiu um vislumbre coletivo que se estendeu por séculos de que a Stella Artois, de fato, existe.

“Toma milão aí! Me devolve até terça-feira!”

A Revolução Cognitiva também criou diversos outros conceitos, como marca. E o que é marca? É um logo? Certamente isso faz parte do que compõe uma marca, mas apenas isso não é uma marca. É o seu produto? Sim, um pouco dele também é o seu produto, mas isso não define marca. Quem sabe é a embalagem? É uma experiência? Quem sabe o atendimento ao cliente? Marca é tudo isso também, e ao mesmo tempo não é nada disso. Gosto muito do conceito que Marty Neumeier tem sobre marca. Nas palavras dele: “Marca é o sentimento de um cliente (ou uma pessoa comum), sobre o produto, o serviço ou a empresa”. É como se fosse uma reputação. Você joga todos os inputs que conseguir da sua marca, e o receptor acaba criando uma imagem única da empresa na cabeça dele. Ou seja, não existe uma marca da Stella Artois. Existem milhões de marcas Stella Artois por aí na cabeça de milhões de pessoas, cada uma levemente diferente da outra, conforme os inputs da marca e a experiência que elas tiveram. Um rótulo levemente rasgado ou um lote com um pouco mais de lúpulo pode ajudar a criar uma marca totalmente diferente na cabeça do consumidor. E, sim, isso inclui a forma como você recepciona seus clientes, atende o telefone, deixa a mesa organizada… Isso tudo é marca. E, ao mesmo tempo, não é exatamente isso.

Preciso começar a escrever com mais frequência

Eu ainda não sei exatamente o que fez eu preferir a Stella Artois em relação às outras cervejas. Claro, o gosto é um bom começo, talvez os mais de 600 anos de tradição reforce, quem sabe a “origem belga” ajude, ou ainda eu trabalhar em uma agência que tinha uma geladeira cheia delas a -2 ºC tenha feito eu criar uma marca que eu valorize na minha cabeça. Provavelmente, também seja porque eu a consumo em momentos de lazer e criatividade, como agora, enquanto finalizo esse texto. No entanto, uma certeza eu tenho: a Stella Artois que eu tenho em minha cabeça é diferente da que você tem na sua.  

Guilherme Bueno

Gerente de Estratégia

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