Areia por todos os lados, a perder de vista. Em algum lugar, no meio do nada e banhado pelo sol escaldante do deserto, ergue-se a Fortaleza Bastiani. A construção tinha como objetivo rechaçar as tentativas de invasão dos povos tártaros às cidades vizinhas que ficavam a centenas de quilômetros de distância. No entanto, se alguém viu alguma invasão de povos rebeldes por aqueles lados, já deve ter morrido a muito tempo. Aquele canto do mundo tinha um ar melancólico, da esperança do acontecimento de um evento improvável, que finalmente iria dar sentido à sua razão de existir. É nesse contexto que se desenrola a história de Giovanni Drogo, um jovem que, ao deixar a academia militar, recebe o posto de tenente na Fortaleza, nos limites da civilização. Ao chegar lá, ele naturalmente não gosta do local, mas aceita ficar por 4 meses para facilitar os trâmites de sua liberação. Durante o período ele vai se acostumando à monotonia do forte e da ideia de poder ser um herói de guerra, caso os tártaros ousem passar por suas linhas de defesa. Ele não consegue entender, mas um certo fascínio toma conta dele, enraizando-o àquela construção antiga e deprimente. Ao fim do seu período de carência para pedir transferência, ele sempre é convencido a permanecer no local em busca da glória que poderia chegar a qualquer momento. E assim passam-se dias, meses, e até mesmo anos de uma vida monótona, no fim do mundo. Soldados chegam e vão com frequência, mas ele e um pequeno grupo de pessoas segue de forma obstinada a obedecer ao seu chamado a qualquer custo. Porém, o tempo, sempre ele, cobra seu pedágio sob todos os seres vivos. Drogo, que entrara jovem e cheio de vitalidade, aos poucos definhava. Dia após dia, ele mantinha sua rotina militar, mas de forma quase imperceptível, um pouco dele se perdia. A chance de um confronto épico que finalmente daria sentido a todo o seu sacrifício era o que mantinha seu coração acesso, mas até mesmo essa chama aos poucos ia se esvaindo. O tempo voava. Décadas se passavam como anos, e anos como meses. O tempo foi duro com Drogo e seu corpo. E o destino foi irônico em suas escolhas. Quis ele que quando Giovanni estivesse em seu leito de morte o ataque inesperado finalmente viesse, quando já estava muito debilitado para a batalha.

O livro “O Deserto do Tártaros” é considerado a obra-prima de Dino Buzatti, e retrata como a combinação da comodidade e do passar do tempo pode ser sútil no curto prazo e devastador em longos períodos. Quantas pessoas você conhece que estão estagnadas em seus trabalhos fazendo as mesmas tarefas burocráticas, dia após dia, na esperança de que surja uma grande novidade, uma nova promoção, um novo cargo. Essa reflexão pode se estender a diversos campos das nossas vidas como o amoroso, o pessoal, as amizades… Muitas vezes, um relacionamento sem amor pode seguir adiante pela simples comodidade, empregos que não agregam nem ao empregado e nem ao empregador podem ser mantidos por inércia e assim o tempo passa em uma rotina automática, que parece inofensiva, mas pode gerar grandes arrependimentos. Quando falamos em marcas e negócios, existem aqueles que tentam agradar a todos, não se posicionam com medo, não tomam risco. Essas marcas com certeza não irão desagradar ninguém, mas certamente não irão cair nas graças também. Vão continuar existindo, seguindo sua rotina. Crescerão um pouquinho em momentos bons, passarão alguns perrengues nas crises, mas nunca irão desenvolver o potencial que poderiam ter. No fim, uma existência monótona e sem sentido pode ser mais doloroso do que uma existência se arriscando por estradas que nunca foram trilhadas antes. Essa decisão é tomada diariamente.

Guilherme Bueno

Gerente de Estratégia

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