REENCONTRO COM A DOR
Para usufruir ao máximo deste texto, sugiro ouvir esta trilha:
Quando éramos crianças, ouvíamos nossos pais e avós reclamarem da falta que sentiam dos seus anos dourados, afinal, foi a melhor época de suas vidas.
Na época, eu não conseguia entender: por que vocês não aproveitam o presente?
Olhem todas as inovações que estão surgindo, a liberdade e o acesso à informação que temos. Hoje é o melhor momento para se estar!
E aqui estamos nós, em 2024, lamentando a falta dos nossos próprios anos dourados. (Anos 90 e 00 no meu caso, e o seu?)
Nós tínhamos as músicas certas, os filmes certos, os melhores jogos de videogame, a educação certa. Pelo amor de Deus, até as propagandas eram mais divertidas!
(E não existiam mídias sociais.)
Isso é ser nostálgico, a lembrança daquele tempo bom que não volta nunca mais.
A nostalgia é um sentimento forte e, por isso, divide opiniões: tem quem goste de lembrar o passado; outras pessoas não, acham melancólico.
A explicação da resistência de alguns contra a nostalgia pode estar no passado.
A palavra de origem grega, nóstos (“regresso ao lar”) e álgos (“dor”), era utilizada para descrever uma doença misteriosa — uma saudade patológica de casa, capaz de fazer soldados em campanha desistirem de suas próprias vidas.
Hoje, de forma menos pesada, o termo é utilizado para descrever a sensação de intocável, como o desejo de regressar ao passado e vivenciar novamente lembranças felizes.
E, diferente da saudade, que pode ser superada pela presença, a nostalgia é como olhar uma fotografia de um passado há muito tempo vivido.
Quando rebobinar não é mais possível.
BOA PROPAGANDA SURGE DA EMOÇÃO
Pessoas são emocionais, e todos temos essa tendência de lembrar com carinho a forma como vivíamos no passado. E aqui reside uma oportunidade: quando nos comunicamos (não apenas na propaganda, mas em qualquer situação), explorar um argumento emocional, capaz de tocar as pessoas, sempre é mais poderoso que um argumento racional.
Tudo é cíclico. Enquanto marcas de eletrônicos estão desenvolvendo televisores côncavos 8k de última geração, existem alguns maníacos com saudade dos cortes quadrados das jurássicas TVs de tubo.
Aguardando ansiosamente a volta da tecnologia transparente
Marcas podem explorar esse desejo de resgatar antigas memórias e sentimentos, oferecendo produtos que permitam esse “reencontro”.
Essa estratégia é capaz de não apenas retirar produtos das prateleiras, mas retirar por preços elevados.
O Journal of Consumer Research levantou, por meio de suas pesquisas, um insight extraordinário: a nostalgia enfraquece o desejo das pessoas por dinheiro.
Experiência própria: quando criança, sempre gostei de blocos de montar, mas eles eram bastante caros, e, com muita sorte, ganhava um por Natal. (Experiência que com o tempo descobri que era compartilhada por muitos outros.)
Explorando essa janela de crianças renegadas com poder econômico, a LEGO possui um selo de brinquedos para crescidos, e ele vende absurdamente bem, onde uma caixa pode custar algo em torno de R$5.000,00.
Na mesma pegada, o McLanche Feliz para adultos, edição limitada de embalagens clássicas dos sucrilhos Kellogs,e a edição de aniversário de 30 anos do Playstation 5 com estética retrô (lindo demais).
Eu sei que é caro! Eu apenas não me importo.
NOSTALGIA É COISA DE VELHO?
Enquanto os celulares evoluem cada vez mais e acumulam funções, a Heineken lança o “The Boring Phone”, um celular de modelo dobrável que traz de volta toda a falta de recursos que faziam nossas vidas sociais mais ativas.
Conforme explica a curva de adoção de produtos, esses indivíduos que recusam a inovação são conhecidos como “laggards” ou “retardatários” — aqueles poucos indivíduos que fazem questão de recusar a inovação.
Porém, e se eu te dissesse que produtos velhos podem abrir novos mercados?
Periódicos de marketing têm apresentado essa estratégia como retromarketing, a revitalização de produtos ou serviços do passado para o consumo nos dias de hoje.
O primeiro exemplo que me vem à cabeça que explorou isso com maestria foi a série Stranger Things, com uma estética anos 80, muito neon e mullets.
O sucesso fala por si só. A série dá saudade até em quem nasceu depois, gerando receita não apenas por meio da audiência, mas também com merchandising.
Por exemplo, esse collab com a Doritos, que é extremamente legal.
Stranger Things foi capaz de introduzir a um público mais jovem velhas tendências, como jogos de estética 8 bits, itens de moda oitentista e até resgatando paradas musicais de outrora, como a de Kate Bush, que viu seu lançamento de 1980 chegar ao topo do Spotify em 2022.
Não é preciso ser especialista para notar a tendência de aproveitar sucessos do passado. Os dois filmes de maior bilheteria do ano passado foram Super Mario e Barbie, e além deles, temos reencontrado constantemente velhos amigos, como a família Addams, Sonic, Cobra Kai (vulgo Karate Kid) e, recentemente, o retorno de Beetlejuice aos cinemas.
Netflix (2022) x Original (1930)
Num cenário de geração de conteúdo frenético, com inteligência artificial capaz de produzir quantidades absurdas de material em tempo recorde, às vezes, a resposta está em reapresentar aquela velha ideia que todo mundo gosta e você deixou guardadinha.
Panela velha faz comida boa.
O CICLO SEM FIM
Enfim, para qual geração é a nostalgia?
É para todas, porém com lembranças diferentes.
Para um millennial, talvez seja um Game Boy.
Para um boomer, talvez dançar discoteca (trend do TikTok para vocês)
Para a geração Z? Resgatar amanhã o momento de agora.
Quando Steve Jobs lançou o iPod, o seu pitch era “1000 músicas que cabem no bolso”.
Agora, com as plataformas de streaming, você tem TODAS AS MÚSICAS JÁ FEITAS no seu bolso.
E aí você tem esse cara que quer comprar um vinil e guardar a caixa.
Alguém disse: Você nunca vai saber o valor de um momento até que ele se torne uma memória.
Old is cool.